A reforma trabalhista, aprovada em 2017, completa dois anos de vigência em novembro de 2019. As alterações nas leis do trabalho no Brasil, que foram uma das principais pautas na agenda do então presidente Michel Temer (MDB), tinham o objetivo de flexibilizar a lei para gerar empregos e modernizar a legislação brasileira.
A forma de contratar e demitir foi alterada. O número de ações trabalhistas na Justiça caiu consideravelmente com a vigência das novas regras. Além disso, a reforma abordou e reformulou a forma como empregados negociam salários, horas e férias com seus empregadores.
No segundo texto da série “Como ficou”, que trata dos dois anos de vigência da reforma trabalhista, o Nexo mostra o que aconteceu com as negociações coletivas – tanto as convenções como os acordos – e como os sindicatos foram afetados pelas mudanças na legislação do trabalho.
A diferença entre convenções e acordos
CONVENÇÕES COLETIVAS
São os acordos travados entre o sindicato dos trabalhadores e o sindicato dos empregadores. As convenções acontecem uma vez por ano e têm validade máxima de dois anos. A convenção estabelece regras – direitos e deveres – para ambas as partes. Vale para todos os trabalhadores representados pela entidade que negocia e para todas as empresas representadas pelos sindicatos patronais.
ACORDOS COLETIVOS
Assim como as convenções, os acordos coletivos são normativos – estabelecem direitos e deveres para empregado e empregador. Da mesma forma, eles também têm vigência máxima de dois anos. A diferença dos acordos coletivos é que, ao contrário das convenções, eles não acontecem com participação de uma entidade representativa dos empregadores. Neste caso, a negociação acontece entre o sindicato e uma ou mais empresas, valendo apenas para os empregados dessas firmas.
O que mudou nas negociações
Antes da reforma, a lei estabelecia que as negociações coletivas poderiam estabelecer termos diferentes daqueles previstos na legislação, desde que eles fossem mais favoráveis ao trabalhador do que a lei. Assim, existia a garantia legal de um patamar mínimo para o empregado no que diz respeito a salários, benefícios, jornada de trabalho e correlatos.
Com a aprovação da reforma trabalhista, o panorama de negociações coletivas foi alterado. Desde novembro de 2017, qualquer acordo firmado entre empregado e empregador passa prevalecer sobre a lei. Isso significa que os termos da negociação podem ser inferiores ao que a lei estabelece. Além disso, aquilo que é estabelecido na negociação não pode ser contestado na Justiça depois.
Mas nem tudo pode ser flexibilizado. Alguns benefícios como o FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) e o 13° salário não podem ser objeto de acordo, prevalecendo a lei. Da mesma forma, a jornada pode ser rearranjada, mas com limites: no máximo 12 horas diárias, que devem ser seguidas de 36 horas de descanso; 48 horas semanais, sendo 4 horas extras; e 220 horas mensais.
Com isso, o objetivo da reforma era incentivar as negociações coletivas. No entanto, o que se observou após a lei entrar em vigência foi uma redução no número de acordos e convenções coletivas.
QUEDA APÓS A REFORMA
Considerando os primeiros nove meses do ano, a queda no total de negociações coletivas foi de 23,3% em 2018 em relação a 2017. Em 2019, houve um aumento de 5,1% em relação ao ano anterior, mas ainda 19,4% abaixo do total observado em 2017.
As quedas nos acordos e nas convenções foram parecidas no período observado.
A arrecadação sindical
Outra alteração promovida pela reforma trabalhista foi o fim da contribuição sindical obrigatória. Antes da reforma, um dia do ano do salário do trabalhador ia oficialmente para entidades sindicais. A contribuição era cobrada no salário de março e paga em abril.
A mudança fez com que a arrecadação dos sindicatos despencasse.
R$ 2,04 bilhões foi o valor total de arrecadação sindical em 2017, segundo dados da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia
R$ 283 milhões foi o valor total de arrecadação sindical em 2018, segundo dados da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia
86,1% foi o tamanho da queda na arrecadação sindical em 2018, quando comparada com 2017
Duas análises sobre os acordos coletivos e a arrecadação sindical
O Nexo conversou com duas pessoas ligadas a sindicatos e a associações patronais para entender o movimento recente de redução nos acordos coletivos e na arrecadação sindical.
João Guilherme Vargas Netto, consultor de entidades sindicais
Luciana Freire, diretora executiva jurídica da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo)
De que maneira a redução da arrecadação da contribuição sindical melhorou ou piorou a situação do trabalho no Brasil?
JOÃO GUILHERME VARGAS NETTO Piorou fortemente. A estrutura sindical, como qualquer estrutura, se apoia em recursos. A extinção pela reforma trabalhista de uma fonte certa, que era a contribuição sindical, produziu uma queda muito significativa de receita. Isso prejudica a ação sindical de forma direta.
Para o trabalhador, isso se traduz de diferentes formas. Num primeiro momento, há uma visão intuitiva e errada de alívio da contribuição. Ninguém gosta de contribuir. Num segundo momento há uma preocupação a respeito das regressões que ele sofre. Então é contraditório.
Há um elemento que foi muito sagazmente explorado pelo Rogério Marinho [ex-deputado do PSDB-RN, relator da reforma trabalhista e hoje secretário especial de Previdência e Trabalho], que é o do alívio. Mas num segundo momento há aquela preocupação: estou sendo agredido, quem vai me defender?
Nós tivemos claramente um primeiro momento de lamento e confusão. E num segundo momento há uma volta à procura pelos sindicatos, que é o que estamos vivendo hoje.
LUCIANA FREIRE O impacto foi grande nos sindicatos. Muitos só sobreviviam da contribuição sindical. Hoje, os sindicatos têm que se reinventar, criar novas oportunidades de prestação de serviços para seus representados.
Agora, eles têm que ter mais criatividade, mais vontade de prestar serviços para seus representados. Isso vale tanto para os sindicatos patronais como laborais (dos empregados). Eles devem oferecer serviços que atraiam o representado, para que ele veja contrapartida no recolhimento da contribuição.
A contribuição sindical não foi extinta: ela passou a ser espontânea. A vontade do trabalhador e da empresa devem ser preservadas; não existe mais uma obrigação,
uma compulsoriedade. Se o empregado se sente bem representado – percebe que o sindicato presta serviços, oferece uma representação efetiva, traz negociações coletivas, tem serviços de atendimento ao empregado e sua família – ele vai autorizar que seja feito o recolhimento da contribuição na folha de pagamento.
No nosso entender, é muito importante que isso continue sendo feito de forma espontânea. Porque o sindicato tem um papel fundamental na representação dos trabalhadores e na representação empresarial. Uma negociação coletiva legítima e bem feita leva vantagens para trabalhadores e empregadores. No meu entendimento, as relações de trabalho devem melhorar com mais possibilidades de negociações coletivas, e foi isso que a reforma trouxe.
A que se deve a queda no número de acordos e convenções coletivas após a reforma trabalhista?
JOÃO GUILHERME VARGAS NETTO A reforma trabalhista – como é inimiga do coletivo e, portanto, da essência da ação sindical –, ao mesmo tempo em que cria mata-burros na Justiça do Trabalho, cria mata-burros na negociação coletiva, fazendo avançar um sistema de negociação individualizado.
Quando define que o negociado deve prevalecer sobre o legislado – o que é um dano, uma hipocrisia –, a reforma cria dificuldades para a negociação coletiva. Seja pela dificuldade do sindicato, seja pela avidez do patronato, seja pelas dificuldades colocadas na Justiça. No fundo, a resultante é menos negociação, menos salário, menos direitos e mais informalidade.
LUCIANA FREIRE O principal motivo da dificuldade do fechamento de negociações é o custeio dos sindicatos. Alguns sindicatos defendem que deve haver cláusulas que estabeleçam novas formas de custeio, como contribuições compulsórias associativas ou contribuições assistenciais – várias nomenclaturas para contribuições obrigatórias.
E como os sindicatos patronais não têm aceitado nas negociações cláusulas com contribuições obrigatórias, esse tem sido o impasse na celebração de convenções coletivas.
Com dois anos passados da reforma, qual é a importância dos sindicatos no novo cenário do trabalho no Brasil?
JOÃO GUILHERME VARGAS NETTO Eles continuam importantes na medida em que são o único e último recurso dos trabalhadores. Igrejas não respondem, partidos políticos não respondem, o próprio patronato não responde, nem o clube de futebol responde. Quem responderá?
Nitidamente, num primeiro momento, a lei trabalhista provocou disfunção entre base e sindicato, mas num segundo momento, o atual, há uma volta aos sindicatos, mesmo que tímida e dificultosa. Há uma revalorização da ação sindical de base.
LUCIANA FREIRE Os sindicatos devem exercer um papel fundamental neste momento, e foi esse um dos pilares da reforma trabalhista. É a possibilidade da negociação ser privilegiada e ter um papel de diálogo entre trabalhador e os empregadores. Nesse diálogo, as partes podem estabelecer cláusulas que são específicas para determinado setor, localidade, geografia. Um trabalhador de uma metalúrgica de Fortaleza é diferente de um trabalhador de uma metalúrgica no ABC. As condições de trabalho, de vale-refeição, de vale-transporte, de banco de horas, de trânsito para chegar ao trabalho são diferentes de acordo com o estado em que o trabalhador está.
A negociação traz peculiaridades. A lei é engessada, não serve para todo mundo. Há exceções e condições de trabalho diferentes de acordo com a categoria econômica, categoria profissional. É importante o papel dos sindicatos patronal e laboral de fazer essa negociação, defender os interesses dos empregados e das empresas.
A reforma impulsiona a negociação e aumenta a possibilidade de os sindicatos negociarem vários temas que antes não eram passíveis de negociação. O papel do sindicato só aumentou e se tornou mais importante agora.
Fonte: NEXO – Por: Marcelo Roubicek
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